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A Magia dos Contos de Fadas

“Há maior significado profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina.” Schiller


Todos nós, em algum momento de nossas infâncias, já vivemos sob os encantos dos contos de fadas. Também já vimos nossos filhos ou alunos se deleitarem com eles. Porém, observa-se em nossa sociedade um crescente processo de banalização dessas histórias. Sob o império de Walt Disney ou de acordo com puritanismos religiosos, os contos, herança cultural da humanidade, têm sido deturpados, perdendo suas características originais.
Não é de se espantar, por tanto, que as crianças se desinteressem cada vez mais pela leitura, visto que a literatura hoje produzida para elas é cada vez mais pasteurizada, sem os ricos conflitos mágicos e simbólicos das histórias de fadas originais. 
Em sala de aula desenvolvo um "Projeto Didático de Alfabetização, "Na Época dos Castelos", trabalho com este projeto há alguns anos, mas a cada ano faço algumas alterações de acordo com a sala... A comunidade no qual trabalho é muito carente em todos os aspectos,  as crianças precisam muito de algo que lhes proporcionem emoção na hora de aprender a ler, os Contos de Fadas são ideais para trabalhar com crianças em fase de alfabetização.

BREVE HISTÓRICO DOS CONTOS DE FADAS

Os contos de fadas existem há milênios. Em diversas culturas, em todos os continentes, existem histórias com estruturas e narrativas semelhantes aos contos que conhecemos hoje, e que são de origem européia. Apenas para citar um exemplo, a história da “Cinderela”, tem um registro de narrativa muito semelhante à sua na China do século IX d.C. (ABRAMOVICH, 1995, p. 120)
A origem mesma da literatura infantil como a conhecemos se confunde com o registro escrito dos contos de fadas (pois eles já existiam na cultura oral muito antes disso).
Considerado por muitos o primeiro autor a escrever para crianças, no século XVII o francês Charles Perrault foi o primeiro a coletar e organizar contos de fadas em um livro. (CADEMARTORI, 1986)
Perrault ouvia as histórias de contadores populares, e então as adaptava ao gosto da corte francesa, acrescentando ricos detalhes descritivos, bem como diminuindo os trechos que conotavam os rituais da cultura pagã popular ou fizessem referências à sexualidade humana (pois vivia sob o contexto de conflito religioso entre católicos e protestantes à época da Contra-Reforma Católica).
Também, ao final da narrativa, escrevia, sob a forma de versos, a “moral da história”, traduzindo sua preocupação pedagógica, segundo a qual as histórias deveriam servir para instruir moralmente as crianças. (Ou seja, desde o seu primeiro registro por escrito, os contos de fadas já começaram a ter seus detalhes, de enorme riqueza simbólica, deturpados.)
Perrault escreveu várias obras para adultos, mas foi imortalizado pelo único volume que escreveu para crianças, “Contos da Mãe Gansa”.
Na Alemanha do século XIX, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm também realizaram um trabalho de coletânea de contos populares. Sendo filólogos, seu interesse inicial era coletar tais contos para estudar a língua alemã e registrar seu folclore, de modo a recuperar a realidade histórica do país.
Os contos que coletaram foram publicados nos dois volumes de sua obra, “Contos da Criança e do Lar”, que jamais pretendeu ser um livro infantil (dado seu objetivo inicial) mas que foi adotado e lido por crianças e famílias do mundo inteiro.
Os Grimm tiveram o mérito de registrar suas histórias nas versões originais, sem as adaptações e lições morais de Perrault. Depois da publicação de seus trabalhos é que surgiu a literatura infantil de fato, com vários autores do mundo inteiro escrevendo para crianças.
Com o advento da Psicanálise, estudiosos do mundo inteiro passaram a se interessar não apenas pela interpretação de sonhos, mas também pela análise de mitos, lendas e... dos contos de fada! Hoje, podemos compreender a profunda riqueza simbólica e a utilidade dessas histórias, que são parte importante de nosso patrimônio cultural. 

UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE OS CONTOS DE FADAS

Com a visão psicanalítica, responderemos à nossa pergunta: O quê os contos de fadas despertam no imaginário das crianças que tanto as fascina, e porque eles são importante para elas? Ou, em outras palavras: Afinal, por quê diabos as crianças os adoram, pedem para que os recontemos centenas de vezes, e assim fazem com que essas narrativas venham perdurando através dos séculos?
Para entender essa questão, precisaremos pensar um pouco sobre o desenvolvimento da psique humana, pois os contos de fadas são tão fascinantes porque simbolizam o processo porque percorremos nesse desenvolvimento.
Para a psicanálise, nossa psique se constitui de três estruturas dinâmicas, o Id (princípio do prazer), o Ego (princípio da realidade) e o Superego (princípio moral).
Dessas três estruturas, nascemos dotados apenas do Id, sendo que as outras duas estruturas terão de ser construídas na relação do sujeito com o mundo que o cerca.
O Id é a fonte de nossa energia original (libido), que nos sustenta e motiva a mover-nos em direção ao mundo, buscando satisfazer nossos desejos (pulsões). Mas o Id não se preocupa que esses desejos se realizem de forma concreta. Ele se satisfaz com realizações alucinatórias, através de imagens que condensam muitos desejos num só objeto criado pela imaginação. Também não se preocupa com tempo e espaço. Para o Id, tudo o que acontece é aqui e agora.
As crianças pequenas, que passarão ainda por longo processo de sublimação dos desejos libidinais do Id, estão sob forte influência desse aparelho de nossa mente, e a linguagem simbólica, não-verbal desses contos, comunica-se diretamente com o imaginário da criança. Como nos diz a pedagoga brasileira Fanny Abramovich, tentando responder à nossa mesma pergunta do porquê os contos de fadas causam tanto fascínio: 
“Por quê? Porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso, um universo que denota fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta, lidando com emoções que qualquer criança já viveu... Porque se passam num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do espaço, mas onde qualquer um pode caminhar... (...) Porque todo esse processo é vivido através da fantasia, do imaginário, com intervenção de entidades fantásticas (bruxas, fadas, duendes, animais falantes, plantas sábias...).”(ABRAMOVICH, 1995, p.120)
Em outras palavras, os contos de fadas, ao se iniciarem com sua clássica fórmula do “Era uma vez um reino distante...” são tão atemporais quanto o Id. O reino do qual o conto fala pode ser qualquer um, em qualquer lugar, bem como ser aqui e agora, despertando assim a identificação imediata da criança com o conto.
Também seus personagens típicos (bruxas, fadas, etc.), não são puras criações da mente de seus autores. São representações talhadas pela humanidade, durante os milênios, para simbolizar os seus sentimentos mais profundos. Eles condensam todos esses sentimentos, numa forma de representação não-verbal que também é utilizada pelo Id, muito semelhante à forma como as crianças pensam sobre suas próprias emoções.
A respeito desses personagens, diz-nos Abramovich: 
“Daí que haver numa história fadinhas atrapalhadas, bruxinhas que são boas ou gigantes comilões não significa – nem remotamente – que ela seja um conto de fadas... Muito pelo contrário. Tomar emprestado o nome das personagens-chaves desses contos não faz com que essas histórias adquiram sua dimensão simbólica... A magia não está no fato de haver uma fada anunciada já no título, mas na sua forma de ação, de aparição, de comportamento, de abertura de portas...”

(ABRAMOVICH, 1995, p.121)
Em outras palavras, não são os personagens simplificados das histórias de hoje que despertam profundas identificações entre eles e as crianças. Os personagens dos contos de fadas têm determinadas características que provocam esses sentimentos.
Em primeiro lugar, os personagens de contos de fadas não têm nome próprio, mas sim nomes que são ligados às suas características físicas e emocionais. “Branca de Neve” tem esse nome porque sua pele é branca como a neve; “Bela Adormecida” assim se chama porque de fato adormece por 100 longos anos; e “Gata Borralheira” tem essa alcunha porque suas irmãs invejosas obrigam-na a dormir no borralho (cinza), significado de onde também vem seu outro nome, “Cinderela”.
Isso faz com que identificar-se com o personagem torne-se mais fácil. Não tendo nome, ele não tem uma identidade própria, e assim pode emprestar sua personalidade ao ouvinte enquanto ele acompanha a narrativa.
Também os personagens de contos de fadas não têm idade cronológica definida; podemos dizer que sua idade situa-se, aproximadamente, entre os 8 e os 80 anos.
Os heróis em geral são dotados de características tão presentes na infância (medo, vergonha, ingenuidade, etc.) quanto na adolescência (desejo de conhecer e dominar o mundo, autonomia, espírito aventureiro, paixões arrasadoras e platônicas).
Seus familiares também não têm idade definida; a mãe tem idade para ser qualquer mãe, e o pai idade para ser qualquer pai, sejam brotinhos ou quarentões.



Também os personagens que se interpõem em seus caminhos, como gnomos, duendes, feiticeiros, espíritos de toda a sorte (que podem, inclusive, estar encarnados em plantas ou animais), são, em geral, anciões; velhos, muiiito velhos, representando a sabedoria advinda de bastante experiência pela vida e que será passada ao jovem aventureiro.
Desse modo, os contos encantam pessoas de qualquer faixa etária, pois reproduzem, em seu enredo, a passagem por todos os estágios da vida humana.
Outra característica peculiar dos personagens de contos de fadas é o maniquísmo, que deixa alguns politicamente corretos de cabelo em pé. Nos contos, ou o personagem é o herói “completamente bom” ou o vilão “completamente mau”.
Dessa forma, os personagens funcionam da mesma maneira que a mente infantil. A criança pensa sob uma espécie de esquizofrenia, na qual ela tende a separar os objetos de sua afeição em bons ou maus, pois é difícil para ela aceitar que alguém que ela ama possa negar-lhe, por vezes, a realização de seus desejos, e desgostar-se com isso, sem, contudo, deixar de amar a pessoa querida.
Essa é uma característica advinda ainda do bebê, que ao ser amamentado, vê a mãe “boa” que o alimenta, bem como a mãe “má” que o desmama. A fim de assim poder manter o relacionamento amoroso com a mãe, projeta as características negativas em algum outro objeto que ele possa rejeitar.
Esse pensamento mágico, que projeta no outro as suas próprias deficiências, perdura durante toda a primeira infância e retorna na adolescência. Por isso, é muito fácil para as crianças e jovens identificarem-se com os personagens do conto, que também assim se estruturam.
Mas, atenção! Ao fazê-lo, a criança não nega sua própria parte má, pois ela não se identifica apenas com a “Chapeuzinho Vermelho” boazinha, mas também com o “Lobo Mau” (cujo nome já dispensa comentários acerca do seu caráter...). 
Sobre esse processo de identificação com os personagens do conto, diz-nos Marly Amarilha:
“Através do processo de identificação com os personagens, a criança passa a viver o jogo ficcional projetando-se na trama da narrativa. Acrescenta-se à experiência o momento catártico, em que a identificação atinge o grau de elação emocional, concluindo de forma liberadora todo o processo de envolvimento. Portanto, o próprio jogo de ficção pode ser responsabilizado, parcialmente, pelo fascínio que (o conto de fadas) exerce sobre o receptor.”
(AMARILHA, 1997, p. 18)
Dessa forma, os contos de fadas, através das identificações que os ouvintes estabelecem com seus personagens, desempenham um importante papel para a saúde mental das crianças, permitindo-lhes elaborar seus sentimentos mais profundos e contraditórios.
É bem verdade que esse tipo de identificação, através do jogo simbólico, está presente em muitas das brincadeiras espontâneas infantis, como brincar de casinha, médico, e tantas outras brincadeiras que qualquer criança faz, sem que seja necessária a intervenção de um adulto. Mas, nos contos, essas fantasias adquirem uma dimensão mais ampla e profunda:
“Na brincadeira normal, objetos tais como bonecas e animais de brinquedo são usados para incorporar vários aspectos da personalidade da criança que são muito complexos, inaceitáveis e contraditórios para ela enfrentar. Isso permite que o ego da criança consiga algum domínio sobre estes elementos, o que ela não pode fazer quando solicitada ou forçada pelas circunstâncias a reconhecê-los como projeções de seus processos internos.Algumas pressões inconscientes nas crianças podem ser elaboradas na brincadeira. Mas muitas não se prestam a isso porque são muito complexas e contraditórias, ou muito perigosas e socialmente desaprovadas.”

(BETTELHEIM, 1980, p. 71)


Essas pressões inconscientes profundas não poderiam ser representadas pela criança numa brincadeira, devido ao seu conteúdo potencialmente violento e destrutivo, mas estão representadas no universo simbólico dos contos de fadas, através das vitórias dos heróis e da crueldade que os vilões dos contos de fadas podem desempenhar.
Há quem se arrepie só de pensar no Lobo engolindo a Vovozinha, na Madrasta lambendo os beiços ao comer os pulmões e o fígado da Branca de Neve (na versão original é assim), ou nos pais desnaturados de João e Maria abandonando-os à própria sorte na floresta escura.
Como criancinhas tão inocentes podem gostar de histórias tão horripilantes? - pensam alguns adultos. Assim, começa-se a censurar os contos, dando-lhes uma aspecto moralizante, como o fez Perrault na corte francesa, e Walt Disney nos tempos atuais, esvaziando seu potencial conteúdo mágico.



Sob esse aspecto, vale lembrar duas características dos contos de fadas, uma histórica, e outra, psicológica.
Como já o havíamos demonstrado antes, esses contos originam-se da tradição oral popular, portanto de classes sociais cuja vida era triste e dura como as crueldades das histórias que criaram.
Diz-nos Lígia Cadermatori, sobre o aparente horror dos contos de fadas:
“Esses aspectos estão no âmago dos contos de fada e, malgrado a cristianização e os propósitos moralizantes, eles permanecem perversos, amorais e angustiantes como legítimo produto da classe sofrida e marginalizada que os gerou.”
(CADERMATORI, 1986, 38)
Já sob a faceta psicológica, podemos afirmar que são exatamente os detalhes escabrosos dos contos os de maior significado na história
.Invariavelmente, qualquer conto de fada segue um enredo no qual o herói abandona a casa de seus pais, passa por diversas privações (seja na floresta escura, na casa de doces da bruxa, no castelo mal-assombrado) e então, como Fênix, renasce das cinzas, glorioso e triunfante, e vive “feliz para sempre”.
Caso o herói não fosse capaz de superar as privações por que passa, personificadas nas crueldades dos vilões, ele não conseguira triunfar no final da história – é exatamente aí que reside a mensagem positiva que as crianças guardam dos contos e seus horrores.
Isso porque a narrativa dos contos reproduz a história de vida de qualquer criança. Ela nasce protegida pela família (equivalente à casa paterna dos contos), e vive nesse meio até alcançar a maturidade. Quando já está madura o suficiente, também é obrigada a deixar a segurança do lar para alcançar outros mundos: começa a freqüentar a escola, a fazer amigos fora de casa e a ter de resolver seus conflitos com eles. É esse processo que fará dela um adulto autônomo e independente.
Os contos asseguram à criança que, por mais que ela possa ter problemas (notas baixas na escola, ser desajeitado no jogo de futebol, perder um grande amigo, enfrentar o divórcio dos pais, etc.) será capaz de atravessar a “floresta escura” e superá-los, como o herói dos contos. Diz-nos Amarilha:
“Pelo processo de ‘viver’ temporariamente as conflitos, angústias e alegrias dos personagens da história, o receptor multiplica as suas próprias alternativas de experiências do mundo, sem que com isso corra risco algum.”
(AMARILHA, 1997, p. 19)
Por isso, as adaptações moralizantes dos contos ou o temor do adulto em contar certos trechos quando os está lendo em voz alta para crianças, tornam os texto sem significado para elas:
“Se o adulto não tiver condições emocionais para contar a história inteira, com todos os seus elementos, suas facetas de crueldade, de angústia (que fazem parte da vida, senão não fariam parte do repertório popular...), então é melhor dar outro livro para a criança ler... Ou esperar o momento em que ela queira ou necessite dele e que o adulto esteja preparado para contá-lo... De qualquer maneira, ou se respeita a integridade, a inteireza, a totalidade da narrativa, ou se muda a história... (e isso vale, aliás, como conduta para qualquer obra literária, produzida em qualquer época, por qualquer autor... Mutilar a obra alheia, acho que é um dos poucos pecados indesculpáveis...).”
(ABRAMOVICH, 1995, p.121)
Porém, da mesma forma como não cabe ao adulto que conta a história modificá-la, retirando os detalhes que lhe parecem violentos ou aterrorizantes, também não lhe cabe interpretar diretamente a história para a criança: 
“Explicar para uma criança porque um conto de fadas é tão cativante para ela destrói, acima de tudo, o encantamento da história, que depende, em grau considerável, da criança não saber absolutamente porque está maravilhada. E ao lado do confisco desse poder de encantar vai também uma perda do potencial da história em ajudar a criança a lutar por si só e dominar exclusivamente por si só o problema que fez a história significativa para ela. As interpretações adultas, por mais corretas que sejam, roubam da criança a oportunidade de sentir que ela, por sua própria conta, através de repetidas audições e de ruminar acerca da história, enfrentou com êxito uma situação difícil.”
(BETTELHEIM, 1980, p. 27)

Não cabe a pais e professores interpretar, ou exigir da criança uma interpretação direta da história, através de “fichas literárias” ou coisas do gênero, da moral do conto ouvido (como pretendeu Perrault ao escrever a suposta mensagem final ao cabo do texto). Mas cabe-lhes instrumentalizar o pensamento e a fantasia da criança sobre o conto, sugerindo-lhe que desenhe livremente sobre a história, reconte-na a seu próprio modo, deixando-a brincar de faz de conta com fantasias, bonecos, maquiagem etc. e, sobretudo, contando outra vez a história, quantas e quantas vezes ela pedir, de novo, desde o começo e com todos os detalhes e vírgulas...

Isso porque, ao ouvir de novo o conto, a criança está empenhada em uma das mais importantes tarefas, segundo a psicanálise, para a construção de sua personalidade. Tarefa essa que somente ela mesma, e nenhum agente externo, pode fazer, e que o conto permite-lhe compreender e elaborar a nível simbólico: a sublimação e resolução do Complexo de Édipo.

O complexo edípico é um dos mais controversos postulados defendidos por Freud; porém, nenhum psicanalista, nem mesmo os que mais discordaram das idéias freudianas, como Jung, pôde negá-lo ou fugir integralmente à sua idéia original. É necessário, por tanto, esclarecer esse conceito, antes de analisá-lo dentro do contexto dos contos de fadas.



Segundo a psicanálise, por volta dos 4 aos 7 anos de idade, a criança desenvolve um profundo desejo pelo seu progenitor do sexo oposto (o menino, pela mãe; a menina, pelo pai). Esse desejo é na verdade uma primeira tentativa da criança para compreender e vivenciar, a nível simbólico, a sexualidade adulta, e é motivado pela erotização, nessa faixa-etária, dos órgãos genitais, devido a razões maturacionais e biológicas.
Na tentativa de conquistar o progenitor que é objeto de seu desejo, a criança passa a identificar-se e a imitar o progenitor do seu sexo – a menina passa a imitar papéis femininos que vê sua mãe desempenhando, como cuidar da casa, dos filhos, trabalhar, enfeitar-se com jóias, etc.; e o menino, passa a imitar seu pai, brincando de dirigir, lutar, trabalhar ,cuidar dos filhos, etc.
Porém, logo a criança percebe que é inadmissível para a sociedade que ela se case com o pai ou a mãe, e sublima seus interesses sexuais, voltando-se para atividades aceitas e valorizadas pela sociedade – como para a escola, a prática de esportes, as brincadeiras, etc.
Esses desejos, ao serem sublimados, de certa maneira, “adormecem” até o início da adolescência, quando retornam, porém agora voltados para a busca de parceiros sexuais fora da família.
Por tanto, a vivência e a resolução do conflito edipiano, fazem com que a criança defina as bases de sua futura sexualidade adulta, ao identificar-se com o pai e a mãe, e também faz com que ela introjete os valores morais e sociais, dando início à formação do Superego, bem como promove o interesse da criança pela aprendizagem de atividades socialmente valorizadas, seja esta aprendizagem dentro ou fora da escola.
Como, porém, os contos de fadas expressam simbolicamente a resolução do Complexo de Édipo, e assim ajudam as crianças a superarem tais conflitos?
Já demonstramos anteriormente que todos os contos de fadas têm uma narrativa muito parecida, reproduzindo todos os estágios da vida humana. Essa narrativa também reconta, de várias maneiras, o complexo de Édipo.
Todas as histórias de fadas se iniciam com o herói deixando sua casa. Esse fato simboliza tanto a criança pequena, que parte para a conquista de suas identificações sexuais precoces, quanto o adolescente, que deixa o ambiente familiar para buscar parceiros sexuais fora de casa.
Via de regra, os heróis saem de casa por ordem de seus pais: Chapeuzinho Vermelho é enviada por sua mãe para levar doces à avó; Branca de Neve é expulsa pela madrasta invejosa, assim por diante.
A sublimação do complexo de Édipo também acontece devido à intervenção da sociedade, de maneira geral, e dos pais, de maneira mais direta. A criança abandona o desejo de casar-se com o pai ou a mãe porque a sociedade o desaprova, mas principalmente, porque percebe que, por mais que ela imite o progenitor do mesmo sexo, sempre haverá relacionamentos que seu parente desejado manterá apenas com outros adultos, e não com a criança.
Quando o herói parte para suas aventuras, enfrentando assombrações, o Lobo, a Bruxa e dificuldades de toda a sorte, ele introjeta papéis adultos: torna-se capaz de assegurar sua própria existência, de superar as dificuldades sozinho, em suma, vem a ser autônomo e independente. Como João e Maria, que não apenas foram capazes de escapar da Bruxa, mas também encontram um rico tesouro escondido na casa de doces, que os tornou capazes de sustentar a si e à sua família, superando o estado de pobreza do início da história.
Estando agora preparado, herói é capaz de encontrar o seu próprio parceiro, formar família, casar-se, ter filhos, assim como uma vez, remotamente, em sua infância, desejara casar e ter filhos com seu pai ou sua mãe: No conto, o sapo transforma-se em príncipe para casar-se com a princesa; o cavaleiro desperta Bela Adormecida de seu profundo sono; o Patinho Feio torna-se um lindo e esplendoroso cisne.
Ouvir essas histórias assegura à criança que ela também será capaz de superar as dificuldades, os sentimentos profundos e contraditórios, despertados por seu delicado e complexo conflito emocional, e virá a encontrar a felicidade.
Por isso, cabe a ela mesma vivenciar o conto e tirar dele a mensagem que lhe é útil – e não ao adulto.
Quando o adulto se apressa em fazê-lo, como disse Bettelheim, ele não apenas acaba com a magia do conto, mas também priva a criança da satisfação em conseguir chegar à mensagem positiva que o conto carrega sozinha.
É a mensagem embutida no simbolismo do conto que a criança busca dominar quando nos pede que recontemos uma mesma história infinitas vezes, sabendo que, ao ouvi-las, está de certo modo ouvindo a sua própria história, e dessa forma tornando-se mais capaz de superar seus próprios conflitos.
Este é o poder mágico dos contos de fadas – o poder de fazer-nos conhecer e compreender melhor a nós mesmos – e esta a razão de sua permanência entre nós através dos séculos, bem como a razão do fascínio que o simples ato de sentar-se junto a um adulto para ouvir uma história ainda consegue despertar, mesmo frente a um mundo cheio de brinquedos e maravilhas tecnológicas.
A mensagem de sucesso e segurança que os contos carregam os fazem não apenas sempre presentes e fascinantes, mas sobretudo únicos e insubstituíveis em sua importância para o imaginário infantil.


E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE.... (OU, CONCLUSÃO)


“Se descreves o mundo tal qual é, não haverá em tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade.”

Tolstói

Os contos de fadas não descrevem o mundo de acordo com a simples realidade objetiva. Mas sim, através de sua riqueza simbólica, descrevem a realidade subjetiva da mente humana. Isso os torna mais verdadeiros, pois nos faz refletir sobre os aspectos mais obscuros da nossa psique, que não podem ser alcançados diretamente através do pensamento consciente.
Esse poder de atuação dos contos de fadas é maior ainda para o pensamento infantil pois, se o adulto tem dificuldade em aceitar e enfrentar suas próprias incertezas expressas nas aventuras dos contos, a criança é imediatamente captada pela beleza e a linguagem destes, que muito se aproxima de seu próprio mundo inconsciente.
Por isso, ao ouvir contos, o psiquismo da criança se desenvolve. Primeiramente, porque ela tem o desafio intelectual de compreender uma narrativa tão rica, intrincada e bem urdida, como a dessas histórias, pedindo para ouvi-la várias vezes, até alcançar este objetivo. E também porque, dominando o conflito da história, ela está dominando seus próprios conflitos internos. Ou seja, para retornar à afirmação de Tolstói, os contos, com toda a sua fantasia, não transmitem falácias, e sim a mais profunda verdade.
Pelo encanto que produzem e pela importante função afetiva que têm para crianças, jovens e adultos, os contos de fadas deveriam ser retomados pela escola, não apenas em momentos esporádicos e descomprometidos de leitura, mas como uma parte da herança cultural da humanidade sobre a qual os alunos possam pensar e agir, das mais diferentes formas – em atividades plásticas, simbólicas, cênicas, de leitura e escrita, e tantas outras quanto a realidade de cada sala de aula, nas diversas faixas-etárias, possa propor como desafio a pais e educadores.
Pela imensa riqueza e poder de suas palavras, os contos de fada merecem um espaço a eles reservado em qualquer projeto político-pedagógico.

BIBLIOGRAfia

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:Scipione, 1995.

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. São Paulo: Ars Poetica, 1994. AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? – literatura infantil e práticapedagógica. Petrópolis: Vozes, 1997. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

CADEMAROTI, Lígia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1986. DIATKINE, René. Histórias sem fim. Entrevista à revista Veja em 12 de março de 1993.
por:  Taicy de Ávila Figueiredo

DICA: Para quem quiser se aventurar a ler contos de fadas em suas versões originais, vale a pena procurar a série ERA UMA VEZ... da editora KUARUP, que contém três coleções: uma com contos de GRIMM, outra com contos de PERRAULT, e outra com contos de ANDERSEN. Também há uma série de livros com contos de GRIMM publicados pela editora NOVA FRONTEIRA, com tradução e seleção de ANA MARIA MACHADO. Vale a pena ler essas histórias!!!